segunda-feira, 7 de julho de 2014

Preta

Preta, eu sei
Eu sei que você não gostava muito de se olhar no espelho
Sei que seu cabelo era um problema
Preta, eu sei
Eu sei que a professora não tocava sua cabeça como a das outras meninas
Eu sei que você não tocava nos seus fios
Eu sei da dor que era desembaraçar
Eu sei também que vieram os apelidos
Eu sei que seu desejo era acabar com aquilo
Eu sei que nenhuma boneca sua se parecia com você
Ou nenhuma estrela de tv
Eu sei que você se achava menos bonita
Eu sei o que você fez pra escapar disso tudo
Você relaxou, não foi? Você alisou...
Você puxou, você esticou
Eu tava lá, preta... eu vi
Você se desenhou branca? Você sonhou com você tendo outro cabelo e outra pele?
Tava imposto, não tinha jeito
Você fingia ser outra pra alcançar respeito
Eu sei preta, que você se viu na outra preta que passou
Com seu cabelo solto, cheio de crespura e amor
Eu sei que você se viu




Eu sei, preta... você tem medo, né?
Você acha que seu cabelo não é digno de respeito
Você tem medo dos olhares e das reações
Mas preta, deixa eu te contar
Beleza maior em você, irá encontrar
Você nunca se sentiu completa com aquelas máscaras, não é verdade?
Você vai viver a beleza de ser você
Vai ver, vai gostar
Vai voltar pra me contar
Vem preta, solta esse cabelo
Olhe suas irmãs e veja quanto espelho
Descobriu seu poder?
Ninguém nunca mais vai te dizer
Quem você tem que ser.
Bruna de Paula.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

O que cabelo tem a ver com racismo?

Hoje me deparei com o seguinte comentário nessa rede social de meu Deus: "O que tem a ver racismo com mandar a Blue Ivy pentear o cabelo?"

Bom, vamos por partes né? Embora muita gente não saiba (nem sei se ela sabe), mas a Beyoncé é negra (OOOHHH). Sério, ela não é moreninha, café com leite, queimadinha, mulata e outros eufemismos que vocês acham interessante usar porque acham que é muito pesado dizer que uma pessoa é de fato NEGRA. Jay Z também, mas isso ninguém discute porque a negritude dele é indisfarçável.
Logo, Blue Ivy nasceu com cabelos crespos... cabelos esses que crescem pra cima e acreditem não há nada de monstruoso nisso.

Querer submeter um bebê a padrões estéticos eurocêntricos é querer que ela esconda suas origens, porque essas são aparentemente não convencionais e não encontro outra palavra pra definir que não seja racismo.

Uma amiga em um post do seu Blog Reapresentando Cores usou um termo interessante: "Ativismo de Cabelo". Muita gente pode não entender a necessidade de estarmos o tempo todo afirmando que cabelos crespos não necessitam ser "domados", não estamos carregando nenhum animal raivoso em nossas cabeças (às vezes eu queria que ele fosse pra abocanhar pessoas que acham certo criar uma petição online para pedir que uma criança de 2 anos penteie seu cabelo). Falaram para "pentear para baixo", "prender com um arquinho". Bom, vou contar pra vocês a realidade de uma criança de cabelo crespo, vou contar a realidade que graças a Deus não é a da Blue, caso fosse não causaria tanto incômodo. Nossas mães na tentativa de deixar com a aparência que determinaram como "boa", penteavam nossos cabelos muitas vezes a seco, causando uma tremenda dor, desembaraçavam e prendiam todo pra trás, nossos olhos chegavam a ficar puxados. Mas okay, nosso crespo socialmente inaceitável, estava domado, era o que esperavam da gente até que chegasse uma idade onde finalmente poderíamos fazer usos de químicas altamente corrosivas, ferros quentes e assim tentassem embranquecer nossos traços.

Recebo mensagens de amigas professoras falando que cada vez mais cedo percebem que as mães buscam procedimentos químicos para alisarem ou relaxarem os cabelos de suas crianças. Eu acho um ato criminoso, porque além de fazer mal a saúde, faz mal a identidade. Essa criança vai crescer entendendo que alisar é o procedimento padrão, que é tão natural quanto se alimentar. Por isso muita gente não considera racismo falar de cabelo, diz que é questão de gosto. Não é estranho ser senso comum considerar justamente um determinado tipo de cabelo como ruim? Não é estranho que o bom seja aquilo que seja mais próximo de uma característica branca?

Sabemos que a população negra enfrentam vários outros desafios sociais, que muitos consideram essa questão de cabelo como secundária ou como algo que nem há necessidade de ser abordado. Mas o corpo é aquilo que somos e essa relação precisa ser bem desenvolvida. O racismo desumaniza, nos faz criar rejeição pelo nosso próprio corpo. Os padrões de beleza cerceiam a liberdade a ponto de atingir uma criança que não deve ter preocupação com cabelo ou qualquer outra coisa. Que mais mães tenham consciência de que o cabelo tem forte significado na construção da identidade da pessoa negra. Que ninguém mais tenha que se envergonhar pelo seu corpo livre de padrões.

E sim, seremos ativistas de cabelo enquanto for necessário.


Bruna de Paula Pereira

domingo, 11 de maio de 2014

Manas

Irmão, ninguém aqui tá te pedindo permissão pra nada não
A gente vai passando
Umas desfilando, outras marchando e outras rebolando
Se não gostar segue pra outra esquina
Porque aqui quem manda são as meninas
Aqui não tem ficha de presença
Não precisamos explicar nossas referências
Você quer saber qual foi minha leitura?
Para com esse papo de academicista, cabeça dura
Reivindicar é direito da mulherada
Militância não é só pra mina letrada
Não fique aí esbravejando
Gritando: Não sou machista!
Pra falar do teu machismo
Posso até fazer uma lista
Você diz ser companheiro
Do meu lado diz estar
Mas na hora da quebrada
Quer me ensinar a militar
Não me olha com essa cara
Com essa pose de machão
Se quiser vir pro meu lado
Seja um machista em desconstrução
Mesmo assim eu vou ficar de pé atrás com você
Mas já vai contar muito se você quiser aprender
Vou seguindo e vou cantando
Escrevendo pras irmãs
Gastar energia emponderando
Sororizando


Bruna de Paula Pereira

Sobre Lupita, mulher negra e representatividade

Eu sou mulher
Eu sou negra
Negra nos traços, no cabelo

E não quero que branco nenhum fale da minha condição
Eu não quero que branco nenhum fale por mim
Não fala das minhas irmãs
Não me diga que o racismo é culpa minha por que eu falo dele
Você não tem o direito
Desconstrua seu racismo
Falar sobre ele, deixa com a gente
Para com esse papo de igualdade
Você não tem que me respeitar porque me acha igual
Eu sou diferente
Aceita
Respeita
Eu tô cansada de vocês querendo me silenciar
Só que vocês se fodem porque eu descobri que tenho voz
Se fodem porque eu reconheço opressão disfarçada de apoio
Seu lugar na minha luta é aprendendo comigo
Não sobe meu palanque, desce daí




Bruna de Paula Pereira

domingo, 6 de abril de 2014

Eu escolhi encrespar

Os ferros não aprisionaram meu corpo
Mas foram utilizados para alisar minhas raízes
Raízes desconhecidas, desconsideradas
Isso afetou minha auto estima durante anos
Eu não alcançava nunca a imagem desejada
A imagem da mulher que eu via no outdoor
Seus cabelos eram lisos, compridos e esvoaçantes
Quando eu dormia durante a noite, conseguia me ver em meus sonhos
Era eu, mas minha cor era clara, meus cabelos eram compridos, eu trabalhava em empresas como as moças nas novelas.
Não tinha negra na empresa da empresa, não senhor
A negra estava servindo uísque pro doutor
Nas rodinhas na escola, todo mundo escolhia a princesa que se identificava, minhas coleguinhas diziam que não tinha princesa da minha cor, que eu parecia mais com a bruxa da Pequena sereia
O tempo passou, e eu alisando...anos... alisaaando...
Ficava feliz em véspera de festa, eu iria ao salão, a escova ficava muito mais bonita lá
Triste era ter que lavar o cabelo
E assim fui seguindo, não entendia por que não me sentia parte de mim, nem de ninguém
Meu cabelo nunca seria comprido, de 6 em 6 meses eu tinha cortes químicos, ele nunca seria liso
Minhas tias falavam "coloca implante, é muito mais prático"
Mas eu imaginava: e no dia que faltar dinheiro pra manutenção? Não vou querer sair na rua...
Eu não estaria sendo eu, eu não seria ninguém
Um dia a raiz fofa e alta foi o prenuncio de um novo tempo
No corte da tesoura, senti uma força tomar conta de mim
Eu era Sansão ao contrário

Meu pescoço se ergueu, minha vida se encheu de cor
Passei a enxergar minha cor
No encontro com minhas iguais, me vi cercada de espelhos
Encontrei gente que estava na mesma estrada que a minha e eu não as tinha reconhecido
A nossa história foi marcada por silêncio e invisibilidade
Mas nós estamos aqui, pra contar a história para quem quiser ouvir
Em cada contorno, em cada fio, uma palavra, uma página
Meu corpo carrega um conto que ninguém contou
Tá escrito aqui a trajetória de sucesso em busca da identidade
Me amo em cada traço
Faço da minha vida resistência e poesia
Me percebo em mim, me percebo nas minhas irmãs e estamos aqui pela força da coletividade
Eu escolhi encrespar
Por: Bruna de Paula Pereira

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Eu mulher, resisto



Eu mulher,
Eu mulher nascida
Eu mulher criada
Eu mulher crescida
Eu mulher menstruando em silêncio
Eu mulher tendo nojo de menstruar
Eu na classe média tendo acesso a absorvente
Eu mendiga na rua, sem higiene para menstruar
Eu mulher nas dores da depilação
Eu mulher ensinada que é normal sofrer
Eu mulher, tentando ser beleza padrão
Eu mulher, sem poder ser feminina na prisão

Eu mulher atacada por lutar
Eu mulher apanhando sem denunciar
Eu mulher sofrendo calada
Eu mulher sendo julgada
Eu mulher procurando programa na esquina
Eu mulher vadia
Eu mulher dona do meu corpo,
dona do meu sexo
Eu mulher negra, obrigada a minhas raízes alisar
Eu mulher, que decidi encrespar
Eu ao meu pai submissa,
Eu migrando da submissão ao pai, para o marido
Eu mulher nos bancos da universidade
Eu mulher em busca de igualdade
Eu mulher mãe, com filhos pra criar

Eu mulher doméstica, cuidando da madame, sem poder da minha casa cuidar
Eu mulher, dona da minha subjetividade
Eu mulher com a sociedade a me culpar
Eu mulher tendo meu corpo violado sem gritar
Eu mulher me justificando por ter sido violentada,
Eu mulher, por estar de short, sou acusada
Eu mulher sem medo às 4 da manhã indo ao emprego
Eu mulher e o não reconhecimento das minhas potencialidades
Eu mulher, me exigem sensualidade

Eu mulher que dou no primeiro encontro
Eu mulher que escolhi esperar
Eu mulher chorando de saudade
Eu mulher almejando liberdade
Eu mulher querendo união
Entre minhas iguais buscando compreensão

Eu mulher ainda que não biológica
Eu transsexual, sou mulher
Eu mulher destruindo o patriarcado
Eu mulher lutando para que o machismo seja coisa do passado
Eu mulher quando sobrevivo, resisto
Eu mulher, sou pedaço de você
Você mulher, pedaço de mim
No dia que você perde, eu perco
A sua dor, é minha
O que pensam sobre você
Pensam sobre mim
Eu mulher e uma reflexão:
É só na solidariedade entre as iguais que alcançaremos igualdade, na nossa desunião, se fortalece o patriarcado. Não legitime em tempo algum que a mulher não merece valor e respeito, não interessa o que ela tenha feito. E se o que ela fez for crime, ela deve ser julgada perante a justiça e cumprir sua pena.



Bruna de Paula Pereira.

Agradecimentos especiais as lindas que cederam suas fotos, na ordem: Patty Capetyne, Fernanda Montanaro, Fabiane Dias, Rosângela José e Camila Rodrigues.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Crespxs do mundo, uni-vos

Participo desde outubro de 2012 dos grupos de cacheadas no facebook, vejo que diariamente o crescimento de meninas que resolvem se libertar das químicas e recorrem a esses grupos como forma de buscar apoio, inspiração entre as iguais. Nesses grupos, vemos muitas meninas conscientes politicamente e que transformam esse ato de assumir o cabelo em uma forma de fazer movimento, mas nos grupos também existem as meninas que defendem o discurso que "o racismo é coisa da sua cabeça", dizem que as companheiras "vêem racismo em tudo", "tudo hoje em dia é racismo". Pensando nessas coisas que cansamos de ler no dia a dia dos grupos, eu acabei escrevendo essa reflexão e compartilhando no grupo.

SER NEGRA, CRESPA, CACHEADA E DECIDIR SE ASSUMIR, É UM ATO POLÍTICO. SE POSICIONEM CONTRA O PRECONCEITO! ELE É REAL, ELE NÃO É UM CONTO DE FADAS!
O preconceito, o racismo não é imaginário, ele não é feitiço "só pega em quem acredita", ele atinge a todos, quem acredita e quem não acredita.

O racismo é uma estrutura, não é apenas um ato. Os atos de racismo são apenas maneiras de manutenção dessa relação de poder. 
O racismo está em dados estatísticos, está nas celas de prisão, no número de jovens negros mortos, no número de crianças negras que se desenham brancas, na ausência dxs negrxs na mídia.
Um ato de racismo não é determinado apenas pela sua forma gritante, quando alguém te chama pejorativamente de negrinha ou de macaca, quando alguém diz que preto fede, quando alguém diz que seu cabelo é ruim. O racismo está presente nas formas sutis de discriminação, nas piadas de mal gosto, no oprimido que ao propagar e rir dessas piadas apoiam o opressor. 




O racismo tá em mim, tá em você, fomos criados em uma sociedade racista e que nos fez acreditar no mito da democracia racial, nos fizeram acreditar que todos somos tratados como iguais. O racismo não é coisa da minha cabeça, eu já o senti na pele, fingir que eu estava vendo coisa onde não tinha, só permitiu que ele se propagasse. No momento em que eu me calo, eu apoio a opressão. 
Eu escolhi me posicionar, não vou mais me calar diante das opressões aos cidadãos que são minorias em direitos sociais. Se você me acha louca, vá ler as estatísticas, se informe, estude e lute, por que o fato de não ter acontecido com você, não significa que outros não sofram com isso. Estejam atentas as formas sutis que o racismo se apresenta para você e você não reconhece.

Meu nome é Bruna de Paula Pereira, sou negra, professora, futura pedagoga, feminista e luto pela igualdade social, uma igualdade que promova direitos iguais a partir da compreensão das diferenças. Feliz 2014!